Eu a vi, a alguns
passos de distância, com uma menina e logo fui ajudar. Não só porque era o meu
trabalho, mas naquela ocasião, qualquer cidadão ajudaria. Perguntei qual o
destino e a menina me respondeu: Av. Angélica. Eu a vi, com a coluna inclinada
para a frente e uma bengala, andando tão devagar... Eu pensei na distância que
ela tinha percorrido até ali, pensei até onde ela queria chegar... “Ela não vai
conseguir”. Ofereceram-lhe cadeira de
rodas, mas ela recusou. E agora éramos só nós duas naquela caminhada. Ela logo
agarrou minha mão e fomos andando, devagar... Não sei dizer quantos anos
aparentava ter, sei que seus olhos eram castanhos esverdeados e tinham certo
brilho, talvez porque estivessem um pouco lacrimejados. Seu sorriso era calmo e
sincero. Veio me dizendo que aquela estação era enorme, com um tom de surpresa,
disse que no tempo dela não era assim... Eu concordava e sorria... Concentrada
em seus passos, curtos, e que às vezes se descoordenavam. Eu sabia que todos
que nos viam passar na estação me olhavam com aquele olhar de pena misturado
com um “que bonitinho ela ajudando a senhora”, mas daquela vez, aquilo não
estava me incomodando. Ela me perguntou: “Sabe quantos anos eu tenho?” Eu disse
que não... e ela disse: “Tenho 91 mas com cabeça de 42”. E ela parecia mesmo
ser muito esperta para aquela idade. Minha avó tem 82 e desconfio que ela já não
saiba quem sou eu. Não sei dizer o que ela tinha de especial, mas tinha... Ela
me disse que era andarilha quando jovem (me identifiquei um pouco), contou que
pegava três conduções para ir ao trabalho... E eu ia ouvindo... E às vezes me perdia
no que ela falava, me perdia porque estava sentindo algo estranho, mas bom...
Pegamos o elevador (cheio) e ela encostou a cabeça no meu peito. Perguntei se
estava tudo bem, se ela queria se sentar ou tomar uma água. E ela sorrindo
disse que não e continuamos andando devagar e ela falando, falando... Ela, às
vezes ficava sem fôlego, mas continuava falando. Eu insistia em perguntar se
estava tudo bem e ela só dizia que estava um pouco cansada. Me contou que estava
indo tirar os pinos da coluna porque ela tinha caído sentada... Me disse isso
rindo... E eu, às vezes olhava aqueles olhos alegres que sorriam. Eu não sabia
direito o que estava acontecendo, mas logo chegaríamos na saída da estação.
Perguntei se ela sabia onde era a avenida, ela me explicou o lugar exato onde
era e soltei um comentário idiota: “tá sabendo mais que eu”. E ela sorriu de
novo... Aquele sorriso que já estava se tornando o único, o mais sincero e
calmo que eu já tinha visto. Antes de me despedir, ela que tantas vezes segurava
a minha mão com mais ou menos força, aquela hora era minha vez de apertá-la e
com a minha força. Perguntei se ela queria que eu pedisse para alguém que
estivesse passando na rua para acompanha-la... Ela disse que minha ajuda já
estava de bom tamanho. Perguntei seu nome. Ela disse: Elza. E o seu? Disse o
meu e ela só entendeu uma parte, mas não corrigi. Eu, então apertei sua mão,
sem saber muito o que estava fazendo, e disse: Elza... Nunca vou te esquecer. E
aqueles olhos que já eram lacrimejados e brilhantes, brilharam mais ainda e se
encheram de lágrimas (que não caíram...) e eu disse: “quem me dera um dia ser
forte igual a você”. Aqueles olhos brilhantes sorriram... Nos abraçamos, dei
meia volta e voltei... Ainda com os passos dela... Continuei um pouco a
olhá-la, ainda sem saber o que estava acontecendo... Eu, que tantas e tantas
vezes pensava em falar, mas na hora nunca tinha coragem. Naquela hora tinha
sido tão fácil, talvez eu nem tenha pensado... E eu, voltando, tentando
entender uma coisa que eu não sabia o que era... Eu, voltando e me sentindo
emocionada, talvez... Eu voltando, deixei escorrer as lágrimas que aqueles
olhos brilhantes e lacrimejados não deixaram. Não sei porque não vou esquecê-la,
também não sei se aguentaria chegar aos 91 anos com aquela alegria calma... Não
sei nem ao certo o que aconteceu, o que eu senti... Sei que minha única vontade
depois de conhece-la, por aqueles poucos minutos, era de escrever...